terça-feira, 15 de maio de 2012

CAPÍTULO 08 - JOÃO ABANDONA SUA CIDADE NATAL


João conversou com Seu Raul, mas não explicou a razão por que estava indo embora. A princípio Seu Raul ficou furioso, pois havia investido bastante em João, formando uma pessoa politizada, com um ótimo senso de trabalho, e também porque reconhecia em João a grande qualidade que ele tinha, para possíveis usos na política.
– João, você não pode ir agora! – falou Seu Raul.
– Por que, Seu Raul?
– Porque você está começando a aprender muitas coisas, João. Você não percebe que agora que está começando a melhorar, resolve ir embora?
Mas João não acreditava mais em Seu Raul. O que ele falava entrava nos ouvidos de João como agulhas.
– Seu Raul, o senhor tem que entender que eu preciso progredir. A minha vida é muito mais do que essa cidade. Se eu não for agora, daqui a pouco vou me casar, arrumar um empreguinho insignificante e nunca mais vou ter essa chance.
– Eu concordo, João. Mas observe como você está. Você vai arrumar um bom emprego, eu tenho certeza. Se você quiser, eu posso até tentar alguma coisa para você, já que você acha que trabalhar comigo não é bom...
– Não é bem isso, Seu Raul. O senhor é uma pessoa boa, mas, eu quero mais do que tenho – respondeu João, pensando diferente daquilo que falava, mas não queria ofender Seu Raul.
– João, eu não vou me humilhar, mas até posso pedir ao prefeito para lhe arrumar um emprego...
João sentiu nojo de Seu Raul.
– Não, obrigado, Seu Raul. Vou-me embora.
– Tudo bem, João. O que eu podia te ajudar, eu ajudei. Agora, vamos acertar nossas contas e vou te deixar livre. Só não se arrependa e venha me procurar de novo. A partir de agora eu não quero mais saber de você.
E mandou o contador preparar as contas de João. O contador omitiu uma série de direitos que João tinha e fez com que Seu Raul pagasse muito menos a João do que deveria ter pagado.
João não sabia quanto deveria receber e não percebeu como estava sendo enganado. Comprou uma passagem para Salvador, para a manhã do dia seguinte. À noite fez uma festinha com os amigos mais chegados.
Gastou a metade do que tinha ganhado na sua demissão com a festinha. Foi uma farta feijoada regada à cerveja geladinha.
Zé Luiz estava entre os mais tristes. Mesmo disfarçando, ele não escondia a tristeza em João ir embora. Não sabia como segurar aquela separação. Apesar de não estarem tão ligados como antigamente, reconhecia em João o seu irmão, ou seja, o irmão que não teve.
E foi Zé Luiz que pediu o primeiro brinde:
– Vamos brindar! Vamos celebrar a nossa tristeza. Um brinde ao sucesso de João, mesmo que seja longe de nós.
E todos levantaram seus copos, no maior silêncio.
– Pessoal, eu não estou morrendo. Eu não quero tristeza essa noite.
E abraçou Zé Luiz, forçando-o a sorrir. A seguir, abraçou um a um, todos os que estavam naquele bar para se despedir.
– Pessoal! Eu queria agradecer a todos vocês. Eu não seria o mesmo se não tivesse a amizade de vocês. Eu vou embora tentar a minha vida. Não tenho chance de progredir neste lugar. Com a política aprendi que preciso tentar a minha melhora e também a melhora de todo mundo. Se eu ficar aqui, não vai adiantar muito.
- Quero que vocês façam o trabalho que tem que ser feito aqui, e eu vou procurar alguma coisa melhor. Prometo a vocês que vou, de todas as formas, procurar pelos responsáveis deste país, as pessoas que podem modificar a vida. Quero, se for possível, até encontrar com o presidente do nosso país, para pedir que ele ajude essa nossa gente sofredora.
– João – disse Zé Luiz. – Nós não gostaríamos que você fosse embora, mas, já que tem que ser assim, nós desejamos muito sucesso para você. Nós desejamos que seus sonhos se realizem e que você atinja o seu objetivo. Saiba que seremos seus amigos para sempre e estaremos sempre aqui, lhe esperando, se você quiser voltar.
– Eu sei, Zé, eu também vou sentir muita falta de vocês, mas, eu sei que meus verdadeiros amigos sempre esperarão por mim.
E divertiram-se até amanhecer. Naquela noite João não dormiu. Todos foram até o quarto onde João dormia, pegaram suas poucas roupas e o levaram até a pequena rodoviária de Boa Vista. Ficaram com ele até que ele entrou no ônibus.
Realmente, João tinha bons amigos.
No ônibus, em direção a Salvador, João pensava em sua vida e percebia a mudança que havia ocorrido quando foi mandado ao reformatório. Apesar de ter sido involuntário, havia matado uma pessoa. Depois, tentou a regeneração pessoal, sem ninguém saber o que havia acontecido. Quase conseguiu. Quando começou a acreditar em um futuro honesto, justo, veio o descrédito, novamente, no sistema, nas pessoas, em tudo o que o cercava.
Agora, sentia medo de seus amigos. Um medo de se entregar a uma relação e depois se decepcionar. Não queria desacreditar em pessoas que ele tratava como irmãos.
Pensou em Zé Luiz. Quanto sofreu e quanto sofreria para atingir os seus objetivos. Até agora estava imbuído no lado bom da política. Acreditava que poderia mudar as coisas.
João esperava que isso fosse verdade.
Neste momento estava ansioso. Não sabia o que estava fazendo. Resolveu ir para Salvador, por ser a capital mais perto dali. Boa Vista ficava a trezentos e quinze quilômetros de distância de Salvador. Não sabia nem o que faria naquele lugar.
Esperava que, quando chegasse lá, pudesse encontrar algum lugar para trabalhar, algum lugar para dormir, e depois começaria a sua transformação. Cresceria, enriqueceria e transformaria a sua cidade natal.
 Mas, na verdade, não sabia por onde começar, e nem o que o esperava. Nunca havia se afastado de Boa Vista, nem imaginava como era Salvador. Tinha medo de ser como as cidades grandes que apareciam na televisão, com aquele monte de carro, de prédios e de falsidade.
Mas, agora, era tudo ou nada.
Estava cansado da farra da noite passada, por isso dormiu por toda a viagem. Nem notou quando entrava na cidade. Só percebeu que tinha chegado quando o seu parceiro do banco ao lado o cutucou, falando que já estavam na rodoviária.
João se assustou. Estava sonhando com a sua vida na pacata cidade de Boa Vista, e achava que ainda era o sonho. Aos poucos a sua memória foi voltando e ele percebeu a dura realidade. Estava em Salvador.
Desceu do ônibus, um pouco assustado. Era enorme aquela rodoviária. Não sabia para onde ir. Viu que as pessoas iam para um só lugar e as seguiu. Todos iam para a saída. Ele foi junto.
Quando já estava dentro da rodoviária viu a enormidade daquele lugar. Nada tinha a ver com Boa Vista. Ficou assustado. Via gente passando para todos os lados e ninguém sorria. Todos estavam com pressa.
- Que lugar diferente. Essa gente não perde tempo nem para olhar para as pessoas. Olham para frente e caminham rápido.
João viu um lugar cheio de cadeiras de espera, foi para lá e esperou, sentado. Não sabia o quê. Apenas achava que devia esperar um pouco.
Enfiou a mão no bolso, puxou suas últimas notas. Era pouca coisa, talvez desse para uma semana em alguma pousada barata, com uma refeição por dia. Mas, onde encontrar esta pousada? Quem poderia lhe indicar alguma coisa? Todo mundo ali estava com pressa, tinha a cara fechada e parecia não se preocupar com João nem com ninguém.
João levantou-se, com vontade de ir ao banheiro. Seguiu andando pela rodoviária olhando, assustado, para as lojas, as filas nas bilheterias, as lanchonetes. Viu a placa indicando o banheiro e seguiu para lá.
João ficou surpreso quando percebeu que tinha que pagar para usar o banheiro. E não era barato. Era quase o preço de uma cerveja em lata. Pagou, foi ao banheiro, aproveitou e ficou o máximo que podia ali, pois estava pagando. Lavou seus cabelos, seu rosto, trocou a camisa.
Leu algo que estava escrito na parede do banheiro. Eram diversos telefones, outros tantos palavrões, mas uma frase chamou a sua atenção.
“Esqueceram de avisar para todo mundo que talvez tivesse nome e era a mulher acusada do crime da contração da preposição em mais o artigo definido a, porque quando a criança dá alguma coisa, pode ser o símbolo do Rutênio na cidade de Salvador”.
João leu umas cinco vezes, mas não entendeu nada. - Qual será a respostas deste enigma? - pensou, sem saber a solução.
Passou desodorante e saiu.
Se contasse em Boa Vista que pagou tão caro para usar um banheiro, seus amigos não iriam acreditar. E olha que o banheiro não era tão limpo assim.
Saiu do banheiro e continuou andando. Resolveu comer alguma coisa. Viu uma lanchonete e já se preparou: - se o banheiro custava tanto, imagina a lanchonete?
Ficou meio perdido. Eram muitos cartazes com fotos bonitas, lanches que pareciam deliciosos, mas que custavam o preço de quase três pratos de comida, lá em Boa Vista.
Resolveu tomar apenas um cafezinho. Caro demais, mas já era alguma coisa. Precisava comer alguma coisa, e se tudo era tão caro, precisava ir se acostumando. Pediu um salgado também. Pagou, pegou o lanche e foi para uma mesa, bem no canto da lanchonete.
Comeu o salgado devagarzinho, sentindo o gosto como se estivesse provando algo extraordinário. Na verdade, o gosto era igual ao dos diversos que já tinha comido onde morava, e que custavam cinco vezes menos.
Acabou de comer seu lanche e continuou sentado. Ficou disfarçando que ainda restava um pouco de café, porque sempre passava um rapaz que limpava as mesas, e ele achava que, já que tinha acabado o lanche, deveria ir embora.
Ficou observando as pessoas, que até para comer eram apressadas. Comiam sem mastigar direito, quase não se conversavam entre si, e não se cumprimentavam.
Estava curioso, quando reparou no senhor que se sentou à mesa ao lado. Também parecia meio assustado. Estava sozinho, sem lanche nenhum, sem malas nem bolsas, e parecia estar perdido naquele lugar.
João o cumprimentou balançando a cabeça. O senhor sorriu, meio desconfiado, afinal, não conhecia o rapaz. Passado o primeiro impacto, perguntou:
– De onde você é, garoto?
– Sou de Boa Vista, o senhor conhece? – respondeu João.
– Boa Vista? Fica perto de Serra Preta, não é?
– É sim!
– Não conheço, não, só ouvi falar. Já fui a Serra Preta, mas não cheguei a ir a Boa Vista. O que você faz lá?
João percebeu que era uma pergunta difícil de responder, já que não tinha treinado para conversar com ninguém. Demorou um pouco e respondeu:
– Eu trabalhei como balconista numa loja de material de construção. Mas resolvi sair de lá. Não estava gostando das coisas em Boa Vista e resolvi procurar alguma coisa melhor para minha vida.
– E o que é essa coisa melhor? – perguntou o senhor.
Eu quero trabalhar em paz, quero um trabalho honesto em vez de escravidão, quero ser valorizado e quero fazer alguma coisa pelos outros também. Em Boa Vista não tinha condição de fazer isso. Lá, nós somos explorados porque tem mais gente do que trabalho. Os coronéis de lá mandam e desmandam. Acham que devemos fazer tudo o que eles mandam.
– Eu sei como é isso, garoto... – disse o senhor. – Meu nome é Fernando, e o seu?
– Eu me chamo João. João de Santo Cristo.
– Prazer, João. Você pode me fazer um favor?
– Claro!
– Eu estou com fome e não sei como funciona o sistema dessas lanchonetes. Lá onde moro não tem dessas coisas. Queria comer uma coisa diferente, mas, aqui nesse lugar só tem essas porcarias. Fazer o quê? Faz um favor de comprar um lanche para mim? – falou e enfiou a mão no bolso tirando um maço de dinheiro.
Tirou a nota de maior valor e falou:
– Aproveita e compra um para você também!
– Ah, não precisa se preocupar, não! Eu comi um salgado e...
– Deixe estar, garoto. Você parece estar com fome. Compre lá esse negócio... Compre um daquele ali... – e apontou um dos lanches que estava à mostra no cartaz.
– Então, obrigado.
João ainda estava com fome. E não podia deixar de economizar um pouco com a camaradagem daquele homem.
Foi até a lanchonete, comprou os lanches apontando o cartaz, pagou e voltou para a mesa. Serviu o de Seu Fernando e o dele. Começaram a comer, continuando a conversa, desta vez, sentados à mesma mesa.
– Sabe, Seu Fernando, o que acontece, mesmo, é que estou perdendo a esperança de encontrar pessoas boas, pessoas em quem confiar...
– João, olha, se você quiser alguém em quem confiar, confie em si mesmo. A gente conhece a gente mesmo, mas, os outros? Ninguém é uma pessoa só a vida inteira. Uma pessoa que é boa hoje, pode ser ruim amanhã. Pelo menos é o que eu acho.
– E o senhor faz o quê da vida, Seu Fernando? O senhor mora aonde?
– Eu tenho uma fazenda, daqui a uns duzentos quilômetros, João. Não é para o lado de Boa Vista, é para o outro lado. Já estou velho para fazer as coisas. Hoje em dia, eu só mando. Eu vim para cá para viajar para Brasília. Você já ouviu falar?
– Falar, eu já ouvi. É onde ficam os políticos, não é?
– É lá mesmo, João. É onde mora o presidente e todos os ministros, deputados e os políticos. É a terra da política. Mas, também, tem muitas oportunidades. A minha filha casou e foi morar lá. Já tem seis anos e ela está se dando muito bem naquele lugar.
– E o senhor está indo para lá, Seu Fernando?
– Mais ou menos, João. Eu até iria, já tinha comprado passagem e tudo mais. Para mim e para Gertrudes, minha mulher, mas Deus não quis que ela viajasse. Hoje está fazendo cinco dias que Gertrudes morreu. De repente, João, do coração! A minha passagem está marcada para hoje, daqui a umas três horas. Mas, eu não sei se vou. Estou sem ânimo para fazer essa viagem...
– Eu sei, Seu Fernando. Realmente deve ser muito chato. Todo um plano que o senhor fez para viajar com sua mulher e de repente acontece isso...
Já tinham acabado de comer os lanches. João estava até mais animado, depois da refeição. Era caro, mas que enchia, enchia. Percebeu como Seu Fernando ficou triste quando falou de sua mulher.
– Não fica triste, não, Seu Fernando. A vida é assim mesmo. Deus faz as coisas e não entendemos, mas é sempre o melhor.
– Eu sei, João, eu sempre fui muito católico, mas, não dá para entender por que Deus levou minha Gertrudes. Podia ter levado eu antes dela...
– E o senhor já imaginou se o senhor tivesse ido primeiro? Como teria sido a vida de sua mulher? Será que ela teria agüentado? Será que Deus não a levou primeiro por que o senhor é mais forte, e, por algum motivo precisava passar por isso?
Fernando ficou pensando. Era difícil entender os desígnios de Deus. Como acreditar, como ter fé, com tantas tristezas? Mas, era preciso ter fé.
– Obrigado, João, afinal não temos resposta para tudo, não é mesmo?
– E o que o senhor resolveu, Seu Fernando? Vai viajar hoje? – perguntou João.
– Hoje, não! Hoje não dá! – respondeu Fernando, parando para pensar. – E você, João, está indo para onde?
– Seu Fernando, eu vim para Salvador. Vou tentar alguma coisa aí, nesse mundão. Não sei o que vou achar lá fora. Estou até sentindo medo, uma coisa que nunca senti. Mas, seja o que Deus quiser.
– E o que você pretende fazer? Vai trabalhar em quê?
– Vou trabalhar em qualquer coisa... – respondeu João. – Eu não tenho medo de nada, não, Seu Fernando. O difícil vai ser começar.
Veio na cabeça de Seu Fernando uma idéia que o balançou.
– João, você espera um pouquinho aqui até eu dar um telefonema? É daqueles telefones dali, está vendo? – e apontou os telefones públicos. – Eu já volto, está bem, João?
– Pode ir, Seu Fernando, eu não tenho aonde ir mesmo.
Seu Fernando se levantou, foi até os telefones e ficou conversando com alguém durante uns quinze minutos. Gesticulava, fazia silêncio, como se escutasse atentamente alguém falando, até que desligou e veio falar com João.
– João, é o seguinte. Eu estava falando com minha filha. Eu estou precisando visitá-la; faz mais de dois anos que eu não a vejo, e a gente tinha combinado que eu iria para lá, hoje. Mas, eu conversei com ela, e vou lhe fazer uma proposta.
- João, o meu genro, Fausto, marido de Isabel, minha filha, tem uma carpintaria, lá em Brasília. Eu conversei com eles agora, e combinei que mandaria um amigo meu, um rapaz, para morar com eles, durante um tempo, e para trabalhar na carpintaria, ser um aprendiz, até conseguir uma coisa melhor.
- E esse rapaz é você, João. Você quer ir? Eu lhe dou minha passagem, você pega o ônibus, daqui a pouco. Já vai com um lugar certo para morar e para trabalhar. O que você acha?
João estava abismado com a bondade de Seu Fernando:
– Mas, Seu Fernando, o senhor nem me conhece. Por que o senhor está fazendo isso por mim?
– Porque, João, estou querendo mostrar a você que a vida sempre tem altos e baixos, mas, a gente nunca deve esmorecer. A gente sempre tem que ter confiança. Mais cedo ou mais tarde, as coisas se arrumam e tudo dá certo.
- Você me mostrou o porquê de eu ter vindo aqui, hoje. Desde ontem eu resolvi não viajar, mais. E agora eu entendi porque vim para cá, hoje. E talvez, eu tenha entendido porque esteja vivo. Eu ainda posso fazer algumas coisas pelas pessoas. A idade não importa. Nem tão novo e nem tão velho. Sempre é possível fazer algo pelo nosso semelhante.
- O que você acha, João? Quer arriscar? Brasília é maravilhosa. Já fui lá duas vezes, e fiquei abismado com o que vi. É o melhor lugar do país. Tenho certeza de que você vai adorar.
João sentiu-se muito emocionado com a bondade de Seu Fernando, mas não tinha certeza de que era aquilo que ele queria. Depois, reconheceu que poderia ser a chance que ele tanto precisava. Não podia deixar escapar esta oportunidade. Já ia com emprego certo, teria casa e comida, e ainda estaria perto dos líderes políticos, onde poderia trabalhar pelo povo, conseguir ajuda, e influenciar em alguma coisa.
– Seu Fernando, eu vou!
Seu Fernando abraçou-o, alegre.
– João, você será feliz naquele lugar.
– Obrigado por apostar em mim, Seu Fernando. Não vou decepcioná-lo. E sua filha? Aceitou tudo?
– A princípio ela não queria. É claro que todos nós temos medo do que é novo, mas eu a convenci. Falei da necessidade de abrirmos as portas para as pessoas. Eu li em um jornal um artigo que fala sobre abrir as portas para as pessoas, João, e estamos fazendo isso para você. Saiba aproveitar. O ônibus sai em menos de uma hora. Vamos descer para lá?
– Vamos!
João estava feliz. Nem percebeu como as coisas aconteciam tão acertadamente em sua vida. Não sabia o que era, nem sabia como aconteciam estas coisas. Nem se preocupava com isso.
João entrou no ônibus, despedindo-se de Seu Fernando.
Seu Fernando estava feliz por poder ajudar uma pessoa. Lembrou-se de toda a sua riqueza e sua mesquinharia por toda a sua vida. Agora, com sessenta e cinco anos, sozinho, não sabia o que fazer com o dinheiro que tinha. Tinha apenas uma filha, que morava muito distante e vivia a sua vida particular.
Seu Fernando sentiu a presença de Deus nas palavras de João. Cada um tem sua fé, e Seu Fernando começou a ter a dele. Nunca foi homem de igreja, mas, quando Deus fala ao coração, todo mundo entende.
Estava começando a sentir uma coisa diferente. Uma emoção que nunca tivera. Voltaria para a fazenda bem mais satisfeito. Sabia que tinha ajudado uma pessoa, e que poderia fazer mais por outras pessoas. E iria fazer. Iria usar seu dinheiro e o resto de sua vida para fazer o bem a algumas famílias.
Sem saber, João já havia ajudado algumas pessoas, conforme ele queria, quando saiu de Boa Vista.
João estava em um ônibus bem mais confortável, com bancos maiores e mais espaçosos, deitava mais e até tinham dado um pacote com lanche, para ele. Tinha televisão. “- Como conseguem ligar a televisão, se aqui não tinha energia?” – pensava João.
Adormeceu algumas horas depois. Já era noite do dia seguinte quando entrou em Brasília. Desta vez ele estava acordado. Era época de Natal e a cidade estava toda enfeitada.
João nunca havia visto algo tão bonito. Luzes brilhavam, formando figuras. Muita cor e luz. Enfeites e bonecos espalhados pelas ruas. As casas comerciais estavam todas enfeitadas. João ficou impressionado com o que via. Era muito maior do que esperava. E também era muito mais bonito.
- Meu Deus! Mas que cidade linda!
Entrou na rodoviária. O ônibus parou. Não era igual à de Salvador, mas era enorme, também. Desceu do ônibus, meio assustado, sem saber para onde ir. Seu Fernando falou que seu genro iria esperá-lo. Seguiu em direção à saída.
Uma pessoa, um homem, parou em sua frente e perguntou:
– Você conhece seu Fernando?
– Conheço! Você é Fausto?
– E você é o João?
Apertaram-se as mãos. Fausto estava com o carro estacionado na rodoviária e se dirigiram para lá. Conversaram banalidades, sobre como era Boa Vista, sobre como havia conhecido Seu Fernando, e Fausto começou a gostar de João.
Fausto era uma pessoa justa. Era bom para quem era bom para ele. Mas era justo com quem fazia maldades. Tinha oito funcionários trabalhando em sua carpintaria. Era pequena, mas o suficiente para manter um status de classe média. Tinha o seu carro novo, uma casa bem mobiliada e algum dinheiro de reserva.
João conheceu Isabel, a filha de Seu Fernando. Ficou muito feliz com a simplicidade dela. E ficou muito surpreso em saber o quão rico era Seu Fernando, que em nenhum momento ostentava toda aquela riqueza da qual falavam Isabel e Fausto. Era uma pessoa boa, sem dúvida.
Arrumaram um quartinho no quintal da casa, onde dormia a empregada. Mas, nesta época, eles estavam sem empregada doméstica.
João achou o quartinho muito bom. Tinha até televisão. Tinha uma cama, um pequeno guarda-roupas, e uma mesinha com cadeira, onde poderia escrever algumas cartas, se quisesse.
Comeria junto com eles, e viveria ali até que arranjasse algo melhor. Não tinha pressa, segundo Fausto e Isabel, e João poderia viver ali por bastante tempo, se quisesse, mas se fosse como Seu Fernando falou, um rapaz ambicioso, cheio de planos, poderia arrumar um emprego melhor e procurar viver sua vida, como quisesse.
João ficou muito feliz e se preparou para começar a trabalhar na carpintaria já no dia dois do ano novo. Aquele final de ano era de festas e Fausto havia dado folga para os empregados.
João estava muito bem, sem dúvida.

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